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Hino do Blog : " ...e todas as vozes da minha cabeça, agora ... juntas. Não pára não - até o chão - elas estão descontroladas..."
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Thursday, October 14, 2004

Escolha apenas uma...



Se você tivesse que escolher uma única lembrança de toda sua vida, qual seria?

Esta questão curiosa e instigante é colocada no filme "Depois da Vida", do diretor japonês Hirozaku Kore-eda, no qual, como o titulo sugere, a ação transcorre no além.

A história mostra o trabalho em uma espécie de casa de passagem onde os recém-mortos devem passar uma semana antes de partirem definitivamente para a vida eterna. Nesta semana, ajudados por alguns funcionários, cada um deles deverá escolher uma única lembrança de toda a sua vida, a qual definirá o único sentimento que carregarão consigo para sempre.

Eis o que alguns dos personagens escolhem :

Uma garota primeiro escolhe a recordação de uma tarde na Disneylandia mas depois muda para o cheiro do colo da sua mãe.

Um senhor escolhe reviver a sensação da sua infância quando ia para a escola de bonde e sentia a brisa fresca do ar no seu rosto.

Outro prefere a sensação de voar entre as nuvens.

Uma senhora escolhe reviver a emoção de, pequena, dançar para a alegria do seu amado irmão.

Um jovem questiona se não pode escolher um sonho ao invés de uma lembrança real.

e assim por diante..

Só por esta idéia simples e direta o filme já é interessante. Mas a obra tem mais, por exemplo : os tais funcionários da "instituição" são almas antigas que, na época do seu desencarne, não conseguiram escolher uma única lembrança e por isto ficaram presas naquela espécie de limbo auxiliando os demais que por ali passam. Isto, se por um lado significa um aprisionamento, por outro -como define um deles- representa uma liberdade de continuar a se lembrar da sua própria existência ou então de manter viva a memória dos que avançam para o próximo estágio.

Outra maravilha do filme é a história de um dos recém chegados -o velho Sr. Watanabe- que não consegue se lembrar de nada relevante na sua vida. Ele julga ter tido uma existência normal, medíocre e insípida. Na instituição quem o atende é o jovem Yusuke que, para ajudá-lo, providencia várias fitas de vídeo que mostram o filme completo da sua vida. O que Yusuke espera é que , ao rever sua biografia, o ancião possa se recordar de alguma coisa que tenha valido a pena e, assim, faça a sua escolha. Juntos começam a assistir as fitas. Em uma delas aparece o primeiro encontro de Watanabe com a jovem Kyoto, que mais tarde viria a tornar-se sua esposa (registrando: Kyoto já havia morrido há algum tempo antes de de Watanabe). É um momento constrangedor pois o jovem Watanabe sua muito e não consegue conversar com a moça, cabendo à ela toda a iniciativa de aproximação entre eles. Ela, tímida, começa a falar sobre filmes e consegue estabelecer um link com o desajeitado rapaz. Ao ver tal cena, Yusuke, melancólico, diz entender a vergonha e o embaraço de Watanabe pois ambos pertenceram a mesma geração. O velho fica surpreso. Yusuke então explica ter morrido na guerra há muito tempo, o que explica sua aparência jovem. Continuam a assistir os "tapes" até que em uma das fitas o casal, já velho, aparece sentado em um banco de praça. Eles tinham acabado de sair do cinema aonde tinham ido pela primeira vez após 30 anos de matrimônio. Ambos gostaram muito do programa e prometem que, a partir dali, iriam repetí-lo uma vez ao mês. Watanabe gosta do que vê e escolhe a sensação desta lembrança para a sua eternidade.

Com a missão cumprida Yusuke revela, para outro personagem, ter amado Kyoto antes de partir para a guerra onde foi morto, porém não teve jeito de declarar-se ou de tentar uma aproximação maior. Isto fez com que ele morresse sem ter a certeza de que era correspondido pela moça. Porém agora, ao revê-la nas fitas de Watanabe, sentiu aflorar novamente o sentimento que nutriu por ela. Busca então, no arquivo de imagens dos mortos antigos, qual foi a lembrança que Kyoto escolheu para sua própria eternidade. Ao ver a fita, Yusuke se emociona ao perceber que a recordação escolhida pela mulher mostrava exatamente ele e ela sentados num banco de praça antes dele partir para a guerra (e, obviamente, antes dela conhecer Watanabe). É uma cena pequena, calma, sem diálogos com ambos tímidos e constrangidos, sentados lado a lado. Tudo o que ela faz é contemplar as mãos do amado. Assim ele percebe que algo que até tinha feito questão de esquecer, algo que para ele era puro constrangimento e insegurança, significou muito para Kyoto. Ele pensa :"Mesmo não percebendo, podemos ser a melhor lembrança para alguém". Yusuke então escolhe este sentimento para partir para sua própria eternidade.

Como se vê, o filme é rico em significados. Porém, já aviso, quem assistí-lo tem que estar imbuído de uma forte dose de paciência devido ao seu ritmo excessivamente lento em certas passagens. Mas vale a pena.

De qualquer forma, após assistí-lo, me peguei pensando sobre qual lembrança da minha vida eu escolheria se estivésse numa situação semelhante. Me vi diante de várias alternativas (todas amorosas ou familiares), porém nenhuma específica que pudesse englobar o universo de sentimentos que gostaria de carregar comigo. Perturbado, conversei sobre o assunto com meu amado. Ele então me recordou um fato real e concreto que só pode ser descrito como milagre nas nossas vidas. Pensei : "é isto, quero a sensação eterna de um milagre". Porque? Bem, primeiro devemos acreditar que eles existem. E depois, quando acontecem, a sensação é de que o inconcebível, o impossível nos foi ofertado. É a sensação da mão da providência operando, do destino movendo as peças para nos proteger ou ofertar alguma dádiva. É o sentimento de que fomos escolhidos para uma graça especial. É aquele toque na alma que congela e transfigura, por alguns instantes, o nosso viver. É o momento onde a razão se perde e o divino brota.

Isto eu gostaria de levar para sempre.

Amém.


Friday, October 01, 2004

Amor a três



Comecei a ler um livro chamado “Amor a três” de Barbara Foster, Michel Foster e Letha Hadady. Barbara e Michel são casados há vinte anos e Letha vive com ambos formando o que se chama um clássico “ménage à trois”. O livro se propõe a discutir de forma séria a possibilidade da existência de um relacionamento amoroso e consensual entre três pessoas. Um trio vivendo em comunidade plena.

Diz a contracapa: “Este amor não-convencional (o ménage) é muito pouco conhecido e estudado em nossa cultura puritana e estereotipada”. E na orelha: “O ménage à trois é bastante diferente de um triângulo amoroso. Em geral, este se origina de uma relação de adultério, e um dos três é excluído. Por outro lado, no ménage, os três participantes têm status igual, e a relação se inicia a partir de um consenso de todos”.

Como pode se ver, é um assunto fascinante e polêmico que certamente povoa o imaginário amoroso-erótico de muita gente. Ainda estou no início mas já apareceram diversas idéias interessantes que gostaria de compartilhar:

* O relacionamento a dois é redutor, mesquinho e egoísta a partir do momento em que se estabelece a idéia de “eu”, “tu”, “nós dois” e “os outros”. Isto tira a possibilidade de crescimento harmonioso da dupla o que, inevitavelmente, descambará para a insatisfação, traição, ressentimentos e separação.

* Todos fantasiam com alguma outra pessoa : “A superimposição fantasiada”, escreveu ele (Lawrence Lipton - cronista do mundo beat), é “o crime menos citado e o mais infame, e aquele mais amplamente praticado entre os defensores confessos do código moral judaico-cristão ...(...) ...É o inconfessável.”. Lipton refere-se à fantasia de que seu parceiro na cama é outra pessoa – talvez uma pessoa real que você conheça e deseje, ou vislumbrou ou viu na mídia, mas em geral é alguém mais jovem ou de melhor aparência. Em uma variante, você imagina que o seu parceiro está fazendo amor com outra pessoa, também atraente. Esta pode ser considerada uma fantasia homo-erótica, mas é na verdade uma fantasia de três na cama. Quanto mais monogâmico é um relacionamento, mais provável que um ou ambos os parceiros empreguem este dispositivo – ou percebam que durante o sexo sua mente foi tomada pela imagem de uma terceira pessoa.”... (....) ...“Todos levamos para o quarto a imagem da pessoa desejada, e muito frequentemente ela não corresponde ao nosso amante real. “Quem é o terceiro que está sempre ao seu lado?, perguntou T.S. Eliot.”

* Os autores fazem questão de diferenciar o que eles consideram um ménage consensual da idéia de adultério, prostituição ou de fantasias pornográficas : “ O adultério em geral conduz a um triângulo amoroso clássico que mistura excitação erótica com o pavor de se expor”... (...) ...O adultério e o ménage compartilham no seu início um desejo de viver plenamente. Mas rapidamente tomam caminhos diferentes. O adultério floresce sobre a suspeita, o ciúme e a raiva. O ménage exige honestidade e, no mínimo, aquiescência dos três “.

* O menáge pode não ser entendido apenas como um agrupamento físico amoroso. Também pode ser entendido como trazer para dentro de um relacionamento convencional, algum terceiro que complemente a dupla através de idéias, intelectualidade, sabedoria, fascinação, erotismo, etc, ou seja alguem que proporcione a surgimento e a manutenção de algum tipo de excitação mental.

* Questões inerentes a qualquer ménage : “Sejam célebres ou obscuros, os participantes dos ménages bebem todos das mesmas fontes de narcisismo , voyeurismo, e da irredutível necessidade de serem três. São todos testados no fogo do ciúme. A dialética interna da paixão versus a compaixão permanece constante. A questão de quem é meu e a quem pertenço são repetidamente colocadas e respondidas. Se o egoísmo prevalece, ainda que em um dos três, o relacionamento vai degenerar para um triângulo amoroso clássico, com suas espionagens, brigas, culpas, divórcios e violência. Mas se e quando o ménagem cresce junto, uma energia especial pode e tem feito coisas fascinantes acontecerem – nas artes, no cinema ou na vida. Na nossa vida”.

Como se pode ver os autores são defensores do ménage aberto como forma de realização emocional plena e uma resposta positiva aos comportamentos escusos (adultério, traição, prostituição, perversão, etc) que são buscados para extravasar desejos reprimidos.

O que eu penso a respeito?

Me permito a não emitir opinião, mesmo porque acredito sinceramente que cada um deve procurar o seu prazer, sua realização erótica-emocional da maneira que mais lhe convier.

A única coisa que importa é a honestidade, consigo mesmo e com o(s) outro(s).